Esse artigo foi originalmente publicado na edição de junho da revista Meio & Mensagem, e escrito por Paula Ferolla Correia, Mikaely Correa, Carolina Marchiori, Rodrigo de Mattos, Marília Borges e Guilherme Machado
As gerações que se tornaram adultas e financeiramente autônomas nas duas primeiras décadas dos anos 2000 vivenciaram no Brasil um longo período de crise a partir de 2014. As expectativas sobre uma retomada econômica apontavam para um futuro mais promissor a partir de 2019, mas a pandemia da COVID-19 superou as piores expectativas em termos macroeconômicos e também trouxe preocupações redobradas com a manutenção da saúde. Soma-se a esse cenário a tensão da guerra na Ucrânia e a escalada global da inflação.
Em contraste com esse ambiente de desânimo e medo, os anos 1990 acumularam marcos de avanços sociais importantes com o arrefecimento da guerra fria, o Plano Real e uma nova perspectiva econômica no Brasil. Durante esse período de infância dos millennials, a abertura econômica que impulsionou o acesso à produção cultural internacional fez aumentar significativamente a oferta de séries, filmes e desenhos que desfrutaram da atenção de um mercado consumidor sedento por novidades. Até mesmo no mercado audiovisual local, o remake da novela Pantanal (originalmente exibida em 1990) reforça o momento de revisitação ao período.
O impulso de volta a esse passado ganha força no momento de crise atual, enquanto consumidores buscam conforto e estabilidade no comportamento de consumo. Se por um lado os consumidores buscam alívio ou escapismo em produtos e marcas que reforcem o sentimento de acolhimento e familiaridade, as empresas também vêm na retomada de abordagens do passado uma estratégia mais conservadora de predição de resultados em momento de incerteza conjuntural. Ademais, a reaproximação entre pais e filhos durante os meses de confinamento nos últimos anos trouxeram oportunidades de extensão desse vínculo, em situações de consumo de diversas categorias. Muitas marcas têm estimulado seus consumidores a criarem novas ocasiões de interação, fazendo nascer novas tradições para a continuidade de vivências lúdicas em família ou entre amigos.
Especificamente na indústria de alimentos, muitos consumidores millennials vem aumentando a demanda por snacks que proporcionem mais prazer, enquanto rememoram tempos em que a vida era mais simples e menos acelerada. De acordo com os resultados da Lifestyle Survey, da Euromonitor, em relação a afirmação “Terei menos tempo livre”, participantes que responderam afirmativamente somavam 20,7% em 2021, e já no ano de 2022, esse valor aumentou para 21,2%. Já para a afirmativa “Minha vida será melhor”, o percentual caiu de 51,3% em 2021 para 50,5% em 2022. Esses dados reforçam que o consumidor vem se sentindo mais sobrecarregado e menos otimista.
Beneficiando-se da tendência da nostalgia e o conforto que ela proporciona, a Nestlé, por exemplo, relançou no início de 2021 o Nescau Ball em edição limitada, o cereal coberto de chocolate que fez parte da infância desse público. Em outubro do mesmo ano, as marcas Boticário e Bubbaloo lançaram uma linha de produtos com o cheiro do famoso chiclete rosa sabor tutti-frutti dos anos 90. Outro exemplo em que a nostalgia é aplicada em um “cross” de marcas é o lançamento de fevereiro de 2022, da Tortuguita 7Belo fabricada pela Arcor, objetivando unir marcas do portfólio que têm sinergia e atravessam gerações, ganhando novos espaços.
Na Indústria de Brinquedos, vários lançamentos têm se aproveitado do apelo emocional da nostalgia, principalmente em relação a geração Y. Os millennials que tiveram filhos influenciam diretamente no repertório cultural e nos interesses da próxima geração. Além de serem compradores e tomadores de decisão tanto nas lojas de brinquedos quanto no e-commerce, os pais frequentemente buscam introduzir seus filhos a desenhos, filmes e histórias conhecidas dos anos 1990-2000, e as empresas do segmento têm se atentado a essa tendência.
Para surfar nessa onda, a Estrela lançou uma linha colecionável dos ursinhos carinhosos, além de uma edição do renomado Topo Giggio, conhecido também pela geração X. Outro brinquedo que remete aos anos 90 é o Pogobol, que teve seu relançamento em 2019, e traz um apelo de atividade ao ar livre, muito positivo ao desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes. Além disso, a franquia Harry Potter, cujo primeiro livro data dos anos 2000, continua fazendo sucesso a ponto de ganhar uma extensa linha de produtos da Sunny Brinquedos. Os adultos podem colecionar itens, ensinar seus filhos sobre a história e interagir dentro do imaginário do universo de J.K. Rowling, e dentre outros como Star Wars, He-Man, Família Dinossauro, Pokémon, Os Simpsons e As Meninas Super Poderosas. Os brinquedos compreendidos na categoria de Bonecos de ação e acessórios, os quais tem forte relação com essa tendência, vêm apresentando performance de crescimento alto desde 2020, e nos próximos anos (2021-2025) deve crescer em torno de 10%. Assim, os brinquedos nostálgicos resgatam uma forma de brincar menos conectada ao mundo digital e, portanto, mais protegida da dureza dos noticiários.
Marcas nacionais como a Chilli Beans, inicialmente orientada a um público mais jovem, têm atuado com uma estratégia que busca atingir vários nichos e trabalhado com uma proposta também voltada a consumidores mais velhos, resgatando com isso o sentimento de nostalgia. Contam com uma série de trabalhos colaborativos com marcas como Marvel, Disney, Harry Porter, Star Wars, Toy Story, Elvis e The Beatles. São em geral produtos que para a empresa ajudam a sustentar faixas de preço mais altas e que têm sido privilegiados pelos consumidores. Além disso, a empresa lançou uma coleção de edição limitada inspirada no evento LOLLAPALOOZA Brasil 2022, com modelos que fazem referência aos anos 90 e 2000, trend em alta hoje e revisitada pela cultura pop e pelos jovens influenciadores com ar mais nostálgico e com a perspectiva de volta. Ainda, com o anúncio de volta do Orkut, a Chilli Beans fez uma publicação na sua conta no Twitter, indicando um possível lançamento de coleção dessa marca. A esperar o que vem de novidades.
Por fim, o revivalismo e o consumo nostálgico têm perspectivas para continuar em consistente performance, podendo até ganhar impulso com a perspectiva de recuperação no poder aquisitivo da população brasileira nos próximos anos. Diversas categorias de produto podem trabalhar as conexões com o passado como um reposicionamento no portfólio de marcas. Assim, pequenos e grandes players podem alavancar resultados ou trazer certo nível de previsibilidade no lançamento de produtos, já conhecidos pela geração Y, por exemplo. As possibilidades são diversas, em que o resgate de experiências, personagens e histórias traz a chance de um reencontro com memórias afetivas a serem revisitadas e compartilhadas com as novas gerações.